É quando o discípulo está pronto que o mestre aparece. É um velho ditado hindu. Muitas vezes o mestre não é uma pessoa, mas um episódio do cotidiano. A Psicologia Educacional está presente nos pequenos atos, que podem passar despercebidos.
Venha comigo observar, à porta de uma escola qualquer, a hora da chegada das crianças com as respectivas mães. Observe: quem carrega a mochila escolar? Na maioria das vezes é a mãe. Essa mãe, por hipersolicitude e num gesto de amor, carrega a mochila do filho para poupá-lo desse esforço. Há mãe exagerada: leva três mochilas nas costas, segura ou carrega o filho menor, enquanto vai cuidando para que os outros filhos não fiquem se matando pelo caminho.
E, quando chegam ao portão da escola, o que acontece?
O filho foge para dentro da escola, e a mãe tem de correr atrás dele para entregar-lhe a mochila e, já com os lábios estendidos, dar-lhe um beijinho de despedida...
Por que um filho, nessa despedida, não beija sua mãe?
Qualquer ser humano, ao se separar de alguém, pelo menos por educação se despede dele. Os enamorados beijam-se tão demoradamente que é impossível saber se estão se despedindo, ou "ficando", ou até mesmo se chegando... Somente quando não usufruímos a companhia é que "saímos de fininho", isto é, sem nos despedir dela. Portanto, se um filho não beija sua mãe é porque não usufruiu prazerosamente sua companhia. Significa também que o filho não reconheceu a ajuda que a mãe lhe deu.
Ajudar é muito nobre e um gesto de amor, ao qual mãe nenhuma se furta. Mas, se não ficar claro que a mãe o está ajudando, o filho pode entender que é responsabilidade dela carregar sua mochila. Assim se perpetua que quem vai à escola é ele, mas quem deve carregar a mochila é a mãe.
Para que carregar sua mochila se, até então, isso é obrigação da mãe? Essa é uma das melhores maneiras de um filho não adquirir responsabilidade pela própria vida. Mas o pior é quando o filho acredita que é obrigação dos pais carregar as "mochilas da vida" e que a ele só cabe viver o prazer. O filho se deforma transformando-se em "folgado", enquanto os pais se "sufocam".
Assim vai se organizando uma falta de ética em que o respeito a quem o ajuda passa a não existir e a responsabilidade pelos próprios compromissos a se diluir. Quem não respeita a própria mãe não tem por que respeitar outras pessoas: pai, professores, autoridades sociais ou qualquer ser vivente, seja mendigo, seja índio... Quem não se responsabiliza pelos próprios atos não tem por que se preocupar com o que faz ou deixa de fazer... Tudo isso pode ocorrer se carregar a mochila do filho for extensão social do que a mãe faz dentro de casa, isto é, se ela carrega também a casa toda...
Carregar a mochila do filho é um erro de amor. Cometido por amor, pode ser até aceitável, mas não se justifica. O maior amor é criá-lo e educá-lo para a vida. E a vida exige qualidade, ética, liberdade e responsabilidade. Ainda bem que nossa psique é plástica e os comportamentos podem ser mudados a qualquer momento, desde que estejamos realmente mobilizados para isso.
Na primeira oportunidade esta mãe deveria fazer o esforço sobrematerno, que é maior que o sobre-humano, para não carregar a mochila do filho. Vai ser uma briga interna muito grande contra a sensação de estar sendo má, incompetente e omissa... Mas a mãe tem de saber que o que sempre fez, pensando estar ajudando, na realidade prejudicou o filho e acreditar que pode mudar. Portanto, essa mudança de atitude tem a finalidade de educar saudavelmente o filho, porque só o amor não é suficiente para uma boa educação.
O filho tem de sentir todo o peso de sua mochila. Cabe à mãe oferecer ajuda. Se ele, por birra, já que nunca carregou peso algum, recusar a ajuda, ótimo! A mãe não deve sentir-se inútil. Pelo contrário, deve usufruir o filho, que está começando a assumir a própria responsabilidade, e curtir essa felicidade. A mãe não deve incomodar-se com os olhares indignados de outras mães, querendo dizer: "Que mãe desnaturada, que deixa o filho soterrado sob a mochila". A mãe precisa devolver os olhares dizendo "quão cegas e submissas elas estão sendo aos próprios filhos, que logo irão chamá-las de "escravas", e perceber nelas já uma pontinha de inveja por alguém estar conseguindo o que elas sempre desejaram... É bem provável que já no dia seguinte essa mãe encontre algumas parceiras para sua felicidade.
Chegará uma hora em que o próprio filho, não agüentando mais carregar a mochila, dirá, com aquele ar de súplica que desmonta qualquer coluna vertebral materna: "Manhêêê, me ajuda?" Esta é a hora sagrada que Deus arrumou para a mãe tentar reparar as falhas educativas anteriores. Portanto, não a deve perder de forma alguma. Carregar todo o peso da mochila outra vez, jamais! Mesmo que tenha de lutar com todas as forças contra o "determinismo do instinto materno". É chegada a hora de efetivamente ajudar o filho no que ele precisa. Portanto, nesse exato momento cabe à mãe abrir a mochila, que ele mesmo deve, ou deveria, ter arrumado, e deixá-lo pegar o que consegue carregar. Se ele quiser levar a mochila com menos cadernos, ótimo! Se quiser carregar alguns cadernos, ótimo também! Mesmo que seja pouco, se o filho começar a carregar alguma coisa, já é ótimo. Até agora o que ele aprendeu é que levar a mochila é obrigação da mãe. Portanto, vamos devagar, até ele reaprender que essa obrigação é dele, e a sua mãe só o está ajudando. Se de pequenino o filho carrega alguns cadernos, à medida que vai crescendo pode levar mais cadernos, até chegar o dia em que conseguirá carregar toda a mochila. Educar é preparar o filho para a alegria da liberdade sem depender de ninguém para "carregar suas mochilas".
Nesse novo processo, o mais importante é que o filho, ao chegar ao portão da escola, sente na própria pele a ajuda de sua mãe, medida e quantificada pelo peso da mochila que deixou de carregar. Nessa hora, seu coraçãozinho se enche de gratidão, e vem espontaneamente o tão desejado beijo do qual ela tanto correu atrás. É um sentimento de reconhecimento do esforço que sua mãe sempre fez e ao qual ele nunca deu valor. Esse reconhecimento dá ao filho o sinal da existência da mãe. Se existe, a mãe deve ser respeitada.
Assim, o filho, carregando a própria mochila, sendo auxiliado pela mãe nessa pesada tarefa, cria dentro de si respeito pela pessoa que o ajuda. Essa gratidão entra em seu quadro de valores e penetra fundo em seu modo de ser. Quem tem respeito à própria mãe também respeita seus semelhantes. É dessa maneira que um filho pequeno adquire a ética que vai torná-lo um cidadão na sociedade.
Tirado do blog da Tia Maria.
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